segunda-feira, 2 de março de 2020

Hora de Convergir, por Fernando Henrique Cardoso

Nem parece semana de Carnaval. Em lugar da modorra habitual no circuito político, muita agitação. O círculo próximo ao Presidente não deu folga. Nem ele. Foi um chacoalhar o tempo todo. Agora, depois da Quarta-feira de Cinzas, é melhor acalmar e refletir.
Falar de impeachment (mesmo que haja nos meios jurídicos e nos tribunais superiores quem tenha considerado a hipótese cabível) seria, no mínimo, arriscado. O país viu dois presidentes diretamente eleitos serem atingidos por este mecanismo constitucional. Não é simples, ele desgasta os poderes e deixa mágoas de difícil superação. Mais ainda: por trás da votação no Congresso e das alegações jurídicas, no impeachment existe sempre um movimento popular, que não se vê no momento. Melhor nem cogitar, prematuramente, de tal movimento.
Pelo contrário, precisamos, como nação, de mais tranquilidade: temos pela frente dois enormes desafios. Um generalizado e de consequências ainda imprevisíveis, mas todas negativas, que é a ameaça de uma pandemia, o coronavírus. Outra, sentida por todos e mais diretamente pelos mais pobres, o arrastado crescimento da economia. O desemprego passou a ser considerado como “em diminuição” quando, na verdade, ainda há cerca de 12 milhões de desempregados, fora os desalentados que nem empregos buscam mais, e sem contar a baixa qualidade de muitos dos “empregos” disponíveis. O tempo de desemprego tem aumentado. Significa dizer que parte dos que perderam o emprego terá dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, quando o investimento voltar e novas tecnologias forem incorporadas ao processo produtivo.
Um país que está inseguro — insegurança agravada pelo temor de uma eventual pandemia — e que tem desemprego tão alto e resistente à queda precisa urgentemente de sensatez e de coordenação. Elas são necessárias para reduzir a insegurança e criar clima favorável ao investimento, sem o qual o crescimento da economia seguirá anêmico.
Nesta hora, faz falta a liderança: o Presidente e seu círculo têm sido desastrados no falar, quando não no agir. Acirram, em vez de desanuviar, as ondas que nascem no meio político. Não raro, são eles próprios a produzir turbulência a partir de um impulso de confronto incompatível com o bom funcionamento das instituições e potencialmente perturbador da ordem democrática.
Felizmente, os chefes dos outros poderes, especialmente o da Câmara, percebem a situação e não lançam mais lenha à fogueira. De quem tem responsabilidade com o país se espera, no mínimo, que não compartilhe da loucura, não cale diante das tropelias, ainda que retóricas, e que não apenas tenha juízo para não acelerar ainda mais o descalabro como também aja, com prudência, mas com clareza de propósito, para colocar freios à marcha da insensatez.
Sei que é difícil, dificílimo, pedir bom senso em momentos de polarização. Mas é o de que o povo e o país precisam. Assisti muitas vezes no decurso dos acontecimentos, no Brasil e em outros países, governos de competência restrita apelar para o que lhes resta, em geral para os militares. Estes, por formação e, no momento atual, cada vez mais por convicção, sabem que a ordem não consensual e imposta por coação vale menos, para os objetivos nacionais, do que a ordem que deriva do livre consentimento das pessoas. Sabem que a ordem autocrática é pior do que a ordem democrática em que o poder está submetido a limites e controles institucionais e à soberania popular. Em quaisquer circunstâncias, entretanto, para eles, a ordem é um valor a ser preservado.
Não é para “dar um golpe” que os militares aceitam participar do atual governo. Sentem sinceramente que cumprem uma missão, diante da dificuldade ou incapacidade do governo de recrutar maior número de bons quadros em outros setores da sociedade. O risco para a democracia e para as próprias FFAA como instituição permanente do Estado é de que se borre a fronteira entre os quartéis e a política.
Como se desdobrará a situação atual? Depende de como se comportarem líderes (não só políticos, mas da sociedade toda). É hora de convergir e assegurar o que mais necessitamos: coesão em torno de princípios e objetivos de proteção da democracia contra tentações populistas de índole autoritária. Sem sufocar as divergências naturais nas democracias, é urgente restabelecer o entendimento de que adversário político não é inimigo, de que política não é guerra, de que opositores eventuais do governo não são inimigos da pátria. É preciso ativar os anticorpos democráticos para neutralizar os impulsos de estigmatizar os políticos, como se difunde em parte das mídias sociais.
Precisamos de grandeza para superar nossos desafios. E de liderança: temos a que o povo escolheu. Mas o voto não é um cheque em branco e acima de qualquer mandatário está a Constituição. Termino citando de memória palavras de Ulysses Guimarães: divergir da Constituição, alterá-la por meio de emenda, sim; desrespeitá-la jamais.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O idiota à moda brasileira

Idiota à brasileira

Ele fura fila. Ele estaciona atravessado. Acha que pertence a uma casta privilegiada. Anda de metrô - mas só no exterior. Conheça o PIB (Perfeito Idiota Brasileiro). E entenda como ele mantém puxado o freio de mão do nosso país




Ele não faz trabalhos domésticos. Não tem gosto nem respeito por trabalhos manuais. Se puder, atrapalha quem pega no pesado. Trata-se de uma tradição lusitana, ibérica, reproduzida aqui na colônia desde os tempos em que os negros carregavam em barris, nos ombros, a toilete dos seus proprietários, e eram chamados de "tigres" - porque os excrementos lhes caíam sobre as costas, formando listras. O Perfeito Idiota Brasileiro, ou PIB, também não ajuda em casa. Influência da mamãe, que nunca deixou que ele participasse das tarefas - nem mesmo pôr ou tirar uma mesa, nem mesmo arrumar a própria cama. Ele atira suas coisas pela casa, no chão, em qualquer lugar, e as deixa lá, pelo caminho. Não é com ele. Ele foi criado irresponsável e inconsequente. É o tipo de cara que pede um copo d¿água deitado no sofá. E não faz nenhuma questão de mudar. O PIB é especialista em não fazer, em fazer de conta, em empurrar com a barriga, em se fazer de morto. Ele sabe que alguém fará por ele. Então ele se desenvolveu um sujeito preguiçoso. Folgado. Que se escora nos outros, não reconhece obrigações e adora levar vantagem. Esse é o seu esporte predileto - transformar quem o cerca em seus otários particulares.


O tempo do Perfeito Idiota Brasileiro vale mais que o das demais pessoas. É a mãe que fura a fila de carros no colégio dos filhos. É a moça que estaciona em vaga para deficientes no shopping. É o casal que atrasa uma hora para um jantar com amigos. As regras só valem para os outros. O PIB não aceita restrições. Para ele, só privilégios e prerrogativas. Um direito divino - porque ele é melhor que os outros. É um adepto do vale-tudo social, do cada um por si e do seja o que Deus quiser. Só tem olhos para o próprio umbigo e os únicos interesses válidos são os seus.

O PIB é o parâmetro de tudo. Quanto mais alguém for diferente dele, mais errado esse alguém estará. Ele tem preconceito contra pretos, pardos, pobres, nordestinos, baixos, gordos, gente do interior, gente que mora longe. E ele é sexista para caramba. Mesma lógica: quem não é da sua tribo, do seu quintal, é torto. E às vezes até quem é da tribo entra na moenda dos seus pré-julgamentos e da sua maledicência. A discriminação também é um jeito de você se tornar externo, e oposto, a um padrão que reconhece em si, mas de que não gosta. É quando o narigudo se insurge contra narizes grandes. O PIB adora isso.

O PIB anda de metrô. Em Paris. Ou em Manhattan. Até em Buenos Aires ele encara. Aqui, nem a pau. Melhor uma hora de trânsito e R$ 25 de estacionamento do que 15 minutos com a galera do vagão. É que o Perfeito Idiota tem um medo bizarro de parecer pobre. E o modo mais direto de não parecer pobre é evitar ambientes em que ele possa ser confundido com um despossuído qualquer. Daí a fobia do PIB por qualquer forma de transporte coletivo.

Outro modo de nunca parecer pobre é pagar caro. O PIB adora pagar caro. Faz questão. Não apenas porque, para ele, caro é sinônimo de bom. Mas, principalmente, porque caro é sinônimo de "cheguei lá" e "eu posso". O sujeito acha que reclamar dos preços, ou discuti-los, ou pechinchar, ou buscar ofertas, é coisa de pobre. E exibe marcas como penduricalhos numa árvore de natal. É assim que se mostra para os outros. Se pudesse, deixaria as etiquetas presas ao que veste e carrega. O PIB compra para se afirmar. Essa é a sua religião. E ele não se importa em ficar no vermelho - preocupação com ter as contas em dia, afinal, é coisa de pobre.

O PIB também é cleptomaníaco. Sua obsessão por ter, e sua mania de locupletação material, lhe fazem roubar roupão de hotel e garrafinha de bebida do avião e amostra grátis de perfume em loja de departamento. Ele pega qualquer produto que esteja sendo ofertado numa degustação no supermercado. Mesmo que não goste daquilo. O PIB gosta de pagar caro, mas ama uma boca-livre.

E o PIB detesta ler. Então este texto é inútil, já que dificilmente chegará às mãos de um Perfeito Idiota Brasileiro legítimo, certo? Errado. Qualquer um de nós corre o risco de se comportar assim. O Perfeito Idiota é muito mais um software do que um hardware, muito mais um sistema ético do que um determinado grupo de pessoas.

Um sistema ético que, infelizmente, virou a cara do Brasil. Ele está na atitude da magistrada que bloqueou, no bairro do Humaitá, no Rio, um trecho de calçada em frente à sua casa, para poder manobrar o carro. Ele está no uso descarado dos acostamentos nas estradas. E está, principalmente, na luz amarela do semáforo. No Brasil, ela é um sinal para avançar, que ainda dá tempo - enquanto no Japão, por exemplo, é um sinal para parar, que não dá mais tempo. Nada traduz melhor nossa sanha por avançar sobre o outro, sobre o espaço do outro, sobre o tempo do outro. Parar no amarelo significaria oferecer a sua contribuição individual em nome da coletividade. E isso o PIB prefere morrer antes de fazer.

Na verdade, basta um teste simples para identificar outras atitudes que definem o PIB: liste as coisas que você teria que fazer se saísse do Brasil hoje para morar em Berlim ou em Toronto ou em Sidney. Lavar a própria roupa, arrumar a própria casa. Usar o transporte público. Respeitar a faixa de pedestres, tanto a pé quanto atrás de um volante. Esperar a sua vez. Compreender que as leis são feitas para todos, inclusive para você. Aceitar que todos os cidadãos têm os mesmos direitos e os mesmo deveres - não há cidadãos de primeira classe e excluídos. Não oferecer mimos que possam ser confundidos com propina. Não manter um caixa dois que lhe permita burlar o fisco. Entender que a coisa pública é de todos - e não uma terra de ninguém à sua disposição para fincar o garfo. Ser honesto, ser justo, não atrasar mais do que gostaria que atrasassem com você. Se algum desses códigos sociais lhe parecer alienígena em algum momento, cuidado: você pode estar contaminado pelo vírus do PIB. Reaja, porque enquanto não erradicarmos esse mal nunca vamos ser uma sociedade para valer.


sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Estamos todos surdos


Estamos todos surdos

Nós, brasileiros, temos uma enorme relutância em conviver com opiniões contrárias das nossas

  Por: 12 AGO 2014 - 16:17 BRT


Meu tio Élvio falava tão rápido e com um sotaque tão forte – mineirês da roça misturado a alguma coisa parecida com dialeto italiano da roça – que quase ninguém o entendia. Honesto, trabalhador, devotava-se por inteiro à família. Pouco porém participava da vida em comunidade, porque as sentenças que pronunciava, ininteligíveis, muitas vezes o colocavam em situações bastante complicadas, já que o interlocutor, não atinando com suas declarações, buscava adivinhá-las e depreendia o que melhor lhe aprouvesse. Só para se ter uma ideia do tamanho do problema, somente ao morrer descobrimos que seu nome não era Élvio, e sim Elmo. Mas, então, tarde demais. Se algum dia for a Rodeiro, verá inscrito em seu túmulo Élvio Gardone e entre parênteses Elmo Cardoni.
Lembrei-me de meu tio porque cada vez mais me assusta a dificuldade que encontramos no dia a dia de manter diálogos, devido à perigosa incapacidade que estamos desenvolvendo de ouvir o outro. Não sei qual a explicação, mas tenho percebido que as pessoas apenas querem falar, falar, falar, e não lhes interessa saber o que outro pensa a respeito do assunto em pauta. Em geral, são como fontes, que no breu da noite continuam a verter água, impossibilitadas de refletir a paisagem em torno, encantadas unicamente pelo barulho que fazem e que a escuridão amplifica.
Mais estranho ainda é que, em tempos de redes sociais, essa dificuldade de compreensão se estende até mesmo aos textos escritos. Ou seja, as pessoas tomam um trecho e, ou por o lerem de maneira desatenta ou por simplesmente não saberem interpretá-lo, rechaçam-no de maneira peremptória, encontrando nele coisas que não estão ali consignadas. E assim se destroem amizades, erguem-se desavenças, mancham-se reputações. Aliás, nós, brasileiros, temos uma enorme relutância em conviver com opiniões contrárias ou divergentes das nossas. Somos cordiais com todos aqueles que, de alguma maneira, comungam conosco pontos de vista similares, mas basta o menor sinal de contrariedade para demonstrarmos toda a nossa intolerância. Como não estamos acostumados ao exercício do diálogo, ao invés de buscar convencer o outro com argumentos, partimos imediatamente para a tentativa de aniquilá-lo, utilizando de subterfúgios como a chacota, o sarcasmo, a desinformação e até mesmo a canalhice pura e simples.
Este é, a meu ver, um posicionamento equivocado, que, ao fim e ao cabo, volta-se justamente contra nós mesmos. A melhor forma de aprendizado ocorre quando nos propomos a ouvir o outro e a refletir sobre o que está sendo exposto. Essa escuta proporciona uma melhor clareza de nossas próprias idéias – seja para reiterar nosso pensamento, seja para modificá-lo, caso percebamos que os argumentos do interlocutor iluminam caminhos até então desconhecidos por nós. Temo as pessoas que carregam verdades como se fossem armas – prefiro não ter certezas absolutas, pois estas nascem, sempre, da ignorância.
Se, no plano individual, estar aberto à opinião do outro, não para aceitá-la cegamente, mas para servir de contraponto às nossas crenças, é necessário, no plano coletivo mais se faz imprescindível o estabelecimento do diálogo. A democracia, que, como disse um estadista, é das formas de governo a menos pior entre todas as que já foram tentadas, exige de nós a humildade de aceitar que, nossa opinião, por mais que a prezemos e a consideremos a mais sensata, a mais correta, a mais inteligente, é apenas mais uma num universo de pensamentos, o mais das vezes bastante divergentes do nosso.
Se queremos construir uma verdadeira democracia, é obrigatório que defendamos o direito de todos se manifestarem publicamente, sejam quais forem seus pontos de vista. Mas, para que isso se efetive de verdade, temos antes que aprender a ouvir o outro, a ser tolerantes com ideias que divirjam das nossas. Coisa que, infelizmente, nesse momento, não temos sabido fazer. Assim, corremos o sério risco de, como meu tio Élvio (ou Elmo) Gardone (Cardoni), só sabermos sua verdadeira identidade (ou seja, sua verdadeira essência) quando não adiantar mais.

Obtido de:

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/08/12/opinion/1407871072_537360.html

Todos os direitos reservados ao jornal 'El País' e a Luiz Rufatto.
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terça-feira, 5 de agosto de 2014

A visão deliberadamente torta da mídia paulista

Alckmin, Haddad e as escolhas da mídia

A expressiva diferença de tratamento da imprensa com as ações do Estado e da Prefeitura ajuda a entender a má avaliação de Haddad e a tranquilidade de Alckmin
por Lino Bocchini publicado 31/07/2014 02:39, última modificação 01/08/2014 10:14 
 
 
Governo do Estado
alckmin-volume-morto-cantareira-sabesp
Alckmin "inaugura" o volume morto do sistema Cantareira, em maio deste ano
No jargão jornalístico, “setorista” é o repórter que acompanha e escreve exclusivamente sobre algum tema. Quando Gilberto Kassab era prefeito de São Paulo, um conhecido jornal paulista não tinha nenhum setorista de Prefeitura. O que existia –e ainda existe—são repórteres especializados em transportes ou saúde, por exemplo. São profissionais que fazem matérias sobre sua área, seja qual for a instância de poder. Em janeiro de 2013, quando começou o governo Fernando Haddad, o mesmo jornal nomeou três setoristas de Prefeitura. Ou seja: a partir da mudança de comando na cidade, três profissionais deste veículo passaram a se dedicar exclusivamente a cobrir a Prefeitura de São Paulo.
No governo estadual, a realidade é outra. Não há na mídia convencional nenhum jornalista que se dedique exclusivamente a cobrir a administração Geraldo Alckmin (PSDB).
A diferença de tratamento é uma escolha das empresas de comunicação. A direção de cada rádio, jornal, revista ou TV que tem sede em São Paulo ou atua na cidade decidiu noticiar de forma crítica cada movimento da gestão Fernando Haddad (PT) e, em uma atitude oposta, deixar o governador Geraldo Alckmin “livre” ao tratá-lo com menor atenção e rigor editorial.
Essa linha editorial-ideológica dos “grandes” da comunicação explica, em parte, os resultados de pesquisas divulgadas nos últimos dias e que mostram uma má avaliação da gestão de Haddad e a tendência de reeleição em primeiro turno de Alckmin.
E estamos falando de uma gestão que está implantando corredores de ônibus e ciclovias pela cidade toda, implantou um programa inovador de apoio a usuários de crack, está combatendo o uso indiscriminado de Ritalina, aumentou a capacidade de reciclagem de lixo da cidade, garantiu a reabertura do cinema Belas Artes e aprovou um plano diretor elogiado até pelo MTST, entre outras medidas desses últimos 18 meses.
A gestão do petista Fernando Haddad tem seus problemas, claro. Chama a atenção, entretanto, o fato de ser a pior avaliada após um ano e meio de governo desde a de Celso Pitta (1997-2000). Segundo pesquisa Datafolha divulgada no último dia 18 de julho, 47% da população considera a atual gestão municipal “ruim” ou “péssima”, e apenas 15% a aprovam.
Como comparação, a gestão José Serra foi a mais bem aprovada desde que o instituto começou a fazer esse tipo de pesquisa, na gestão Jânio Quadros (1986-1988). O tucano ficou à frente do poder municipal de São Paulo por apenas 13 meses e abandonou o cargo para concorrer ao governo estadual, deixando a prefeitura para Gilberto Kassab. Mesmo seus eleitores têm dificuldade de lembrar qualquer realização de seu breve governo e, mesmo assim, Serra teve sua administração classificada como “ótima” ou “boa” por 56% dos entrevistados.
Agora vejamos o governo estadual. Entre idas e vindas, Alckmin está em seu 9º ano no comando do Palácio dos Bandeirantes. O PSDB está por lá desde 1995. Com duas décadas de partido único, São Paulo é o estado brasileiro com menor alternância de poder dentre os 27 entes da federação.
A gestão de Geraldo Alckmin é aprovada por 46% da população, e suas intenções de voto chegam a 54% no Datafolha. Os números são semelhantes em outros institutos e lhe garantiriam uma folgada vitória no primeiro turno caso a eleição fosse hoje.
Crise inédita de falta de água, violência policial, sensação de insegurança da qual boa parte da população reclama, valor dos pedágios, metrô em marcha lenta, denúncias de corrupção (Alston, Sabesp etc), maior crise financeira da história da USP, presídios e Fundação Casa super lotados, Santa Casa quase fechando as portas... nada “cola” no governador, parece ser tudo culpa de um genérico “poder público”.
Esses assuntos estão no noticiário, mas com muito menos frequência e de outra forma do que no caso de eventuais problemas da gestão Haddad, e raramente associados ao nome do governador. Pelo noticiário, a impressão que se têm é que a falta de água é um problema divino, e há quem acredite que a crise da Santa Casa ou a lentidão do metrô “é culpa da Dilma”. Perceba a diferença entre os títulos “Falta de planejamento do Estado causa falta de água” e “Falta de planejamento de Alckmin causa falta de água”. Como já disse Paulo Francis, “jornalismo é uma questão de ênfase”.
Um amigo não petista e eleitor de Marina costuma dizer que “os problemas do governo do Estado só vão ser noticiados se o Padilha ganhar”. A ironia traz um fundo de verdade. Alguém acredita que, em caso de vitória do petista Alexandre Padilha, o Palácio dos Bandeirantes seguirá sem um único jornalista especialmente destacado para vigiá-lo?
Não há problema algum nessa postura da mídia. Cada veículo tem suas preferências políticas e posições bem definidas. É assim no mundo todo. O que varia é o grau de transparência e honestidade com o leitor. O problema é que a imprensa brasileira, e particularmente a paulista, não reflete a diversidade de ideias encontrada na sociedade. Ela segue uma lógica editorial que contempla apenas uma parcela da população.
Os veículos em geral escondem suas intenções por detrás de um verniz de uma suposta imparcialidade que ainda ludibria boa parte dos leitores. Se todos jogassem limpo e revelassem suas posições, como acontece, por exemplo, na mídia dos Estados Unidos e da França, pelo menos o jogo ficaria mais honesto e o leitor não compraria gato por lebre.
 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Em dois meses, a França revoluciona seu mapa regional


Este blog tem informado que os grandes problemas que entravam o desenvolvimento do País não estão relacionados a partidos políticos ou a políticos. Significa dizer que as eleições pouco modificam o cenário econômico e social brasileiro, a não ser pela permanência da estabilização econômica - que não é um privilégio do Brasil na América Latina, como se vê na Colômbia, Peru, México e Bolívia - e dos programas sociais de inclusão de crianças à educação, como o Bolsa-Família. 

O tema deste artigo é tratar de um grave problema do País - os gastos do governo. Apesar dos recordes na arrecadação de impostos, os gastos na administração pública federal, estadual e municipal travam os investimentos em infraestrutura, saúde e educação. A solução está na redução de gastos do governo, conhecida como reforma fiscal - um objetivo cada vez mais distante do nosso País. Como comparação, veja essa notícia sobre a reestruturação da administração política da França - em pleno governo socialista, taxado normalmente de 'gastador' - e os resultados previstos por essas medidas. E veja o que o governo brasileiro deveria fazer, independentemente de sua "orientação" socialistas ou não. É caso somente de vergonha na cara.

As lições de um governo socialista

Em dois meses, a França revoluciona seu mapa regional

A histórica reforma com novas fronteiras internas resultará em uma economia de pelo menos 36,5 bilhões de reais

A França mudou radicalmente seu mapa territorial em um tempo recorde de dois meses. A Assembleia Nacional acaba de aprovar as profundas mudanças das fronteiras internas francesas sem, até o momento, reações acaloradas, nem dos partidos políticos, nem das zonas afetadas. Um dos objetivos da histórica mudança consiste em economizar entre 12 bilhões e 25 bilhões de euros (de 36,5 bilhões de reais a 76 bilhões de reais) nos próximos três anos. As 22 regiões atuais serão aglutinadas e restarão apenas 13.
O principal argumento do presidente François Hollande e de seu Governo para tal revolução consiste em alcançar uma gestão pública mais ágil e menos custosa (hoje consome 55% do PIB) dividida atualmente entre a Administração central, as 36.700 comunas ou municípios (é o país com mais autoridades locais do mundo), as 13.400 associações de municípios, os 96 departamentos ou províncias com seus respectivos conselhos gerais ou assembleias (4.058 cargos eleitos com salário) e as 22 regiões com seus conselhos regionais (1.757 cargos). As funções, em alguns casos, estão duplicadas.

"Queremos territórios mais fortes e melhor organizados que dividam seus gastos de funcionamento", afirmou o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, à Assembleia antes da aprovação pelos legisladores do novo mapa no último dia 23 de julho. O projeto de lei foi apoiado quase que exclusivamente pelo Partido Socialista, mas os outros grupos que votaram contra ou se abstiveram explicaram que, embora também desejem uma profunda reforma territorial, o Governo deveria ter buscado um acordo.
A pressa de Hollande tornou impossível um pacto. Até o começo do ano, o presidente não havia sequer mencionado a possibilidade de tal reforma. No início de junho, o próprio Hollande divulgou o primeiro mapa no qual reduzia para 14 o número de regiões, para então finalmente ficar com 13 no projeto parlamentar.

No decorrer de junho e julho, algumas regiões mudaram até três vezes de aliado ou companheiro de viagem. Mas os protestos dos líderes regionais afetados basearam-se, praticamente em todos os casos, nas vantagens ou desvantagens de unir-se a uma região mais rica ou mais pobre que a sua. As referências à história ou à identidade foram muito escassas.
"Nosso objetivo não é criar regiões com identidade, como na Espanha ou na Itália, mas regiões econômicas que sejam ao mesmo tempo fortes e respeitosas com as identidades locais", alertou Cazeneuve. O novo mapa mantém apenas quatro regiões na mesma situação atual. Uma delas, a Bretanha, com importantes características ligadas à sua identidade, rejeitou de todas as maneiras se unir a País do Loire. Por motivos semelhantes, a Alsácia prefere caminhar sozinha, e não unida à região de Lorena. O novo mapa, que será discutido novamente nos próximos meses, entrará em vigor em janeiro de 2016, mas as regiões poderão negociar novas fusões até 2019.

Em uma apresentação na Assembleia, o Governo argumentou que, dentro da União Europeia, e em plena globalização, as regiões devem ter uma população extensa para serem eficazes. Na Alemanha, a média de cada região é de 5,1 milhões de habitantes. Na Itália, 4,4 milhões. Na França agora está em 2,9 milhões. Na Espanha a média é de 2,4 milhões (contando Ceuta e Melilha), ainda que na França nenhuma região atual tenha menos de um milhão de habitantes. O caso francês tem precedentes recentes na Europa. A Polônia (16 regiões), a Grécia (agora 13 em vez de 54 províncias), a Dinamarca (de 14 para 5 regiões) e a Suécia (que ficará com menos da metade de suas 21 regiões) também fizeram mudanças parecidas.

As economias com a nova organização vão surgir por várias vias. No lugar de 22 conselhos regionais ou assembleias, haverá 13. Cada uma dessas novas assembleias apenas poderá ter um máximo de 150 conselheiros ou deputados regionais. Algumas hoje superam 200, com salários mensais de 2.200 euros (6.700 reais) e de 5.400 euros (16.400 reais) no caso do presidente. O número de conselheiros regionais, atualmente em 1.757, cairá para algo em torno de 1.520.
Outra via fundamental para reduzir despesas será à custa dos departamentos ou províncias, cujas funções serão assumidas em boa parte pelas regiões. Por isso, o Governo prevê que em 2020 desapareçam os conselhos gerais ou assembleias nas províncias, com seus mais de 4.000 cargos eleitos, que também cobram entre 2.200 e 5.400 euros (6.700 a 16.400 reais) por mês. Estes cargos são compatíveis, por exemplo, com o de senador, algo que acontece em 93 casos de um total de 348 membros do Senado, que por isso tem tentado boicotar a todo custo, mas sem sucesso, a reforma.
Outro processo de corte de custos consiste em frear o permanente crescimento do número de funcionários públicos nos municípios, departamentos e regiões a um ritmo de 1,6% ao ano. Hoje somam 1,89 milhões. Se nos próximos cinco anos essa cifra não aumentar, a economia será de 5 bilhões de euros (15 bilhões de reais).
Já as 13.400 associações que prestam serviços para os municípios (lixo, água, transporte local) devem ser reduzidas para 5.800, de forma que cubram as necessidades de centros com população mínima de 20.000 habitantes em vez dos 5.000 atuais. Essas associações também assumirão funções dos departamentos.
Embora em menor número, as regiões receberão com esta reforma um maior protagonismo na Administração francesa, centralizada, mas com importante peso histórico dos municípios e dos departamentos, os grandes perdedores até agora. Charles De Gaulle também tentou dar maior importância às regiões, mas renunciou como chefe de Estado depois de perder um referendo em 1969 com essa finalidade. Apesar de tudo, em 1982 as regiões foram incluídas na Constituição francesa. Agora é chegada a hora da revolução.

Obtido de: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/07/31/internacional/1406797786_782418.html



quarta-feira, 30 de julho de 2014

Pesquisa da Getulio Vargas - Policiais brasileiros querem desmilitarizar a polícia

Os policiais brasileiros querem desmilitarizar a instituição

Uma pesquisa mostra que 73,7% dos agentes apoiam desvincular a corporação dos meios militares para evitar as disputas internas com a polícia civil

 Marcos é um policial militar de São Paulo. Adriano é policial federal no Rio Grande do Sul. E Gilson atua na Polícia Civil de Mato Grosso. Apesar de trabalharem em instituições e Estados diferentes, os três fazem parte de um grupo que até então não tinha dado as caras na segurança pública brasileira, o de agentes insatisfeitos com o atual modelo de policiamento e que defendem a desmilitarização da polícia brasileira.

Uma pesquisa divulgada em São Paulo, nesta quarta-feira, pelo  Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que 73,7% dos policiais brasileiros são a favor da desvinculação da polícia dos meios militares. Até a maioria dos policiais militares (76,3%) querem a desmilitarização da corporação. Quase a metade do total dos que querem as mudanças se concentra entre duas propostas: 21,8% defendem que a PM e a Polícia Civil se unifiquem formando uma instituição de ciclo completo e 27,1% quer a criação de uma nova polícia com carreira única.
Na prática isso quer dizer que os policiais do Brasil querem uma reestruturação de suas carreiras para aperfeiçoar o combate ao crime e acabar com as brigas internas entre as corporações. “Cansei de ver bandido ser solto porque as provas coletadas pelos policiais militares foram mal aproveitadas no inquérito da Polícia Civil. As picuinhas entre as duas corporações nos impediram de ajudar mais na investigação”, reclama o PM Marcos.
“Cansei de ver casos em que a PM prende, acusa e julga um traficante e quer que nós, policiais civis, acreditemos na versão deles. Isso não pode continuar. A desconfiança tem de acabar”, acrescenta o policial Gilson.
Atualmente , cabe as 27 Unidades da Federação definirem como será o seu policiamento. E cada Estado tem duas polícias, a Militar, que atua na repressão, no policiamento ostensivo, e a Civil, responsável pela investigação da maior parte dos delitos, como homicídios, roubos, furtos e sequestros. Ocorre que, como citado pelos policiais Marcos e Gilson, em muitas ocasiões as polícias não se conversam e acabam atrapalhando o combate à criminalidade. Sua estrutura de promoção de funcionários, de escala de trabalho, de treinamento e de repressão ao crime é muito diferente uma da outra.
Quando se fala de carreira única, quer dizer que um policial que hoje é guarda de trânsito um dia pode chegar a comandar a instituição. O que, nos dias de hoje, é quase impossível levando em conta os sistemas de promoção internos.
Para um dos responsáveis pela pesquisa, o sociólogo e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Renato Sérgio de Lima, os resultados são um “sinal claro de que o Brasil precisa avançar na agenda da desmilitarização e reforma das forças de segurança”.
O levantamento divulgado pelo Fórum ouviu 21.101 policiais civis, militares, federais, rodoviários federais e bombeiros. Parte deles, 38,7%, demonstrou também estar descontente com a profissão que escolheram e não optariam por ela caso pudessem voltar no tempo. Além disso, 99% reclamam que recebem baixos salários e 98% dizem que sua formação dentro da polícia é deficiente. “Já vi colegas que passam por treinamentos fast food e não sabem nada da teoria e nada de prática. Dá medo ficar ao lado desse colega, vai que ele falha na hora em que mais precisamos dele”, relata o policial Adriano.

Propostas

A desmilitarização da polícia é um tema que há ao menos 15 anos tem sido discutida entre militantes de direitos humanos e agentes de segurança. No último ano ganhou força graças à repressão policial durante os protestos que ocorreram a partir de junho de 2013.
Atualmente há ao menos três projetos de lei, todos na forma de emendas constitucionais, tramitando no Congresso Nacional. O que está mais avançado é a PEC 51 (ler o texto da PEC 51 aqui), de autoria do senador Lindbergh Farias, do PT do Rio de Janeiro. Se a proposta for aprovada, além de mudar a atual estrutura das polícias transformando-as em completamente civis, haverá uma maior participação da União e dos municípios na segurança pública (criando polícias metropolitanas e municipais) e um fortalecimento dos mecanismos de controle externo dos policiais, segundo o autor do projeto.
Parte dos críticos da PEC 51 argumenta que a criação de polícias metropolitanas ou municipais só traria mais problemas e maiores gastos aos cofres públicos. O projeto ainda não tem data para ser votado. 

terça-feira, 3 de junho de 2014

Produtividade no Brasil - 4 estratégias que podem dar certo

Quatro estratégias para aumentar produtividade no Brasil

Atualizado em  2 de junho, 2014 - 05:09 (Brasília) 08:09 GMT

Foto: AP
Perto do pleno emprego, Brasil precisa aumentar qualificação de força de trabalho
Nos anos 80, o Brasil e a Coreia do Sul tinham índices de produtividade semelhantes. Hoje, o que um coreano produz em um dia, um brasileiro produz em três, segundo dados da entidade americana de pesquisas Conference Board.
"O Brasil e outros países da América Latina precisam olhar urgentemente para experiências de países de fora da região se quiserem impulsionar seus índices de produtividade”, disse à BBC Carmen Pagés, especialista em mercado de trabalho do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID).
"Há experiências muito valiosas em países como a Coreia e a Austrália que poderiam ajudar os brasileiros principalmente a alinhar os conhecimentos e habilidades desenvolvidos em seu sistema educacional ao que as empresas precisam para produzir mais e melhor."
Em um cenário de taxas de desemprego historicamente baixas, há certo consenso entre economistas brasileiros de que para acelerar o crescimento será preciso aumentar a produtividade dos trabalhadores no país.
"Pela primeira vez na nossa história falta mão de obra - o que nos obriga a aproveitar nossos trabalhadores de forma mais eficiente", diz Hélio Zylberstajn, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP).
É por isso que a "produtividade" tornou-se um dos temas centrais do atual debate econômico.
"Qualificar melhor os trabalhadores brasileiros é hoje um dos nossos grandes desafios - e é sempre importante conhecer a experiência dos outros países nessa área", diz Silvani Pereira, secretário substituto de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego.
Pereira explica que o ministério tem promovido visitas e parcerias com outros países buscando se informar sobre seus sistemas públicos de emprego, qualificação profissional e estratégias de treinamento dentro da empresa.
"Mas é claro que é crucial fazer a ressalva de que nem tudo o que tem sucesso e ajuda a ampliar a produtividade em um lugar pode ser automaticamente aplicado em outro em função de especificidades econômicas, históricas e sociais."
Abaixo, a BBC Brasil listou quatro estratégias sugeridas por especialistas em um evento promovido pelo BID em São Paulo. Segundo eles, poderiam inspirar o Brasil e outros países latino-americanos em sua busca por mais produtividade.
Eles ressaltam que não se tratam de experiências que poderiam ser implantadas automaticamente por aqui, mas soluções que podem ajudar o país e a região a encontrarem respostas originais ao problema do ajuste das habilidades dos trabalhadores às necessidades das empresas:

1. Valorização e flexibilização do ensino técnico

Para Carmen Pagés, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, a falta de trabalhadores de formação técnica é hoje um dos fatores que afeta a produtividade na América Latina.
Segundo ela, países como a Coreia do Sul, a Austrália, o Canadá, a Nova Zelandia, a Alemanha e a Suíca, que integraram "perfeitamente" o ensino técnico em seu sistema educativo estão entre os que melhor conseguiram alinhar a formação dos trabalhadores às necessidades das empresas.
"Nesses países o sistema é muito flexível", diz Pagés. "Você pode passar do acadêmico ao técnico e do técnico ao acadêmico com facilidade e há mais integração entre esses dois ramos - o que ajuda a evitar o estigma em relação ao ensino técnico que existe no Brasil, além de reduzir o problema do 'isolamento' dos ambientes acadêmicos do mercado."
Pagés diz que na Suíça algo em torno de 60% dos estudantes do ensino médio optam pelo ramo técnico.
"Eles sabem que se quiserem trabalhar, isso lhes dará mais possibilidade de inserção no mercado, mas também sabem que se, depois disso, resolverem voltar para a sala de aula para seguir o ramo das ciências humanas, ou debater aspectos teóricos ligados a sua profissão, por exemplo, a transição será simples."
Na Austrália, os estudantes podem transferir créditos dos cursos técnicos da chamada Technical and Further Education Commission (Tafe) para os cursos de universidades regulares, o que permite uma combinação entre os dois tipos de ensino.
"As pessoas nos procuram em qualquer etapa de sua vida profissional: temos cursos para quem tem 18 anos e para quem tem 40 e quer ampliar suas possibilidades profissionais", explicou à BBC o australiano Peter Holden, diretor da Tafe.
O ensino técnico começou a se expandir na Austrália nos anos 70. Nos anos 90, foram feitos ajustes para garantir que os conteúdos dos cursos atendiam a demanda das indústrias locais (até então o foco do sistema era seu papel social).
"Nós passamos a conversar mais com as empresas e, como alguns de nossos professores foram trazidos da indústria, eles também se encarregaram de nos manter informados sobre quais conhecimentos e habilidades são requisitados."

2. Sistema de Certificados

Para tirar uma carteira de motorista, em geral o candidato faz um teste de direção. Se mostrar que sabe dirigir, recebe o documento, se cometer muitos erros, não recebe. Não interessa se ele aprendeu a dirigir com o avô e estudou sozinho as leis de trânsito ou se fez 30 aulas em uma auto-escola.
Na Coreia do Sul, um sistema de certificados nacionais para o ensino técnico parece funcionar de uma maneira semelhante, como explicou Joon-Chul Eom, do Ministério do Emprego e Trabalho da Coreia do Sul, em evento promovido pelo BID em São Paulo.
Os candidatos fazem uma série de provas orais e escritas após comprovar que têm experiência prática ou estudaram determinada área. Se passarem, recebem certificados nacionais que atestam suas habilidades e conhecimentos específicos.
Um trabalhador pode ser certificado em gastronomia coreana, por exemplo. Outro, em serviços de engenharia elétrica ou mecatrônica. As provas são rígidas, e os índices de aprovação podem chegar a 10% em alguns casos.
No caso do ensino técnico, a certificação fica a encargo do Ministério do Trabalho, mas também há certificados para as profissões de nível superior, que são em geral administrados por outros ministérios.
O sistema é uma forma de garantir e padronizar a qualidade dos profissionais formados no país, facilitar a busca e a colocação no mercado de trabalhadores com habilidades específicas e ao mesmo tempo estimular os coreanos aprimorarem suas habilidades - uma vez que elas podem ser formalmente "reconhecidas".
É claro que há críticas. Um estudo da OCDE de 2012, por exemplo, defendia que as certificações de ensino superior seriam uma "duplicação desnecessária", uma vez que os alunos já seriam avaliados em sua instituição de ensino.
"Trata-se de um sistema interessante e que mereceria ser estudado mais a fundo, embora no Brasil acho que seria impensável implantar algo nessa escala", diz Hélio Zylberstajn, da USP. "Quem ficaria encarregado dos certificados?"

3. Educação nas empresas

O australiano Peter Holden, da entidade governamental Tafe, diz que em seu país uma das experiências mais bem sucedidas na área de formação do trabalhador são as parcerias com empresas para o fornecimento de cursos dentro do ambiente de trabalho.
"Há cursos em áreas específicas ou de formação mais básica. Algumas empresas nos indicaram um grupo de funcionários que gostariam que recebessem noções de aritmética, por exemplo", diz Holden.
Segundo Holden, o esquema é financiado conjuntamente pelo governo e as empresas.
"Muitos trabalhadores viram seus trabalhos mudarem completamente em função da adoção de novas tecnologias - e esses esquemas não só aumentam a produtividade das empresas, mas também evitam que sejam demitidos e aumentam suas chances de uma promoção."
Para Zylberstajn, da USP, os esquemas de treinamento dentro das empresas estão entre as experiências que mais poderiam ser aproveitadas no Brasil.
"Um dos problemas do nosso ensino técnico é que as instituições de ensino e o setor privado conversam pouco, então o que os alunos aprendem na sala de aula nem sempre é válido para o mercado", diz o economista.
Silvani Pereira, secretário substituto de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego, concorda que é preciso fazer avanços nessa área.
"O treinamento do trabalhador dentro da empresa contribui para promover ganhos de produtividade já que o alinhamento entre o que é ensinado e o que as empresas precisam é perfeito. Além disso, tal sistema contribui para uma redução da rotatividade dos trabalhadores", diz.

4. Esquemas de aprendizagem

Nessa área, a Alemanha parece ser, de longe, o grande modelo. Lá os jovens têm a possibilidade de aprender um trabalho dentro de um programa de aprendizagem conforme cursam o ensino fundamental.
Os alunos dividem seu tempo entre as escolas e as empresas, onde são orientados por um profissional mais experiente para aprender um entre os 344 ofícios oferecidos pelo programa. Eles recebem um salário e, ao finalizar o curso, têm a opção de seguir a carreira na área.
Segundo Geoff Fieldsend, do British Council, esse é um dos muitos esquemas adotados para melhorar a questão da empregabilidade dos jovens, mas seus resultados ainda precisam ser avaliados.
 
 Obtido de: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/06/140425_produtividade_estrategias_ru.shtml .................................................................................................

Entenda por que a produtividade no Brasil não cresce


Ruth Costas


Fábrica em São Paulo (Reuters)
Produtividade não depende apenas do empenho e capacidade do trabalhador
Nos últimos anos, as empresas brasileiras aumentaram sua produção contratando mais gente. Agora que os índices de desemprego estão em patamares historicamente baixos, há certo consenso entre especialistas, empresários e integrantes do governo de que, para a economia voltar a crescer em ritmo acelerado, é preciso aumentar a produtividade do trabalhador brasileiro.

O que é produtividade?

Fernanda de Negri explica que produtividade é um conceito residual: trata-se de todo efeito sobre a produção que não pode ser explicado olhando-se para o aumento do número de trabalhadores (no caso do índice Produtividade do Trabalho) ou de trabalhadores e máquinas (no da Produtividade Total dos Fatores).
Simplificando, se uma empresa produz 100 sapatos em um mês e no seguinte consegue produzir 200 sem comprar novas máquinas nem contratar novos trabalhadores (ou pedir que seus funcionários façam horas-extras), teve um ganho de eficiência ou de "produtividade".
Pode ser porque os trabalhadores aprenderam a operar melhor suas máquinas. Ou porque houve uma simplificação burocrática no país em questão, que permitiu a empresa reformular seu quadro de pessoal, aumentando a proporção dos que trabalham diretamente na produção.
O fato de que vários fatores podem afetar a produtividade faz com que também sejam muitas as teses sobre como melhorar esse indicador.
"Pela primeira vez na nossa história falta mão de obra - o que nos obriga a aproveitar nossos trabalhadores de forma mais eficiente", diz Hélio Zylberstajn, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), explicando por que a "produtividade" virou a bola da vez do debate econômico.
"Até os anos 80, os índices de produtividade brasileiros cresceram relativamente rápido em função de uma mudança estrutural da economia", diz Fernanda de Negri, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). A população migrou para as cidades e começou a engrossar as fileiras de trabalhadores da indústria e serviços – setores cuja produtividade costuma ser maior que a do setor rural.
"A China está vivendo um processo semelhante, por isso, para eles é mais fácil aumentar a produtividade de sua economia enquanto para nós, que precisamos melhorar a performance dentro de cada setor, é mais difícil", acredita.
Dados da entidade americana de pesquisas Conference Board mostram que os funcionários de empresas brasileiras produziram em 2013 uma média de US$ 10,8 por hora trabalhada.
Trata-se da menor média entre países latino-americanos.
A chilena foi de US$ 20,8, a mexicana, de US$ 16,8, e a argentina, de US$ 13,9.
Cena de escritório (PA)
Empresas grandes têm de empregar centenas de funcionários só para pagar impostos
Além disso, a mesma entidade registrou um crescimento no índice de produtividade brasileiro de apenas 0,8% no ano passado, após uma queda de 0,4% em 2012.
Para se ter uma base de comparação, o índice chinês teve alta de 7,1%.
Produtividade do trabalho é um indicador que dá a medida da eficiência do trabalho em cada lugar.
Simplificando bastante, poderíamos dizer, por exemplo, que se no Brasil cada trabalhador produz 100 sapatos por mês e nos Estados Unidos, cada um produz 200, a produtividade no setor calçadista americano é o dobro da brasileira – embora na prática a questão seja muito mais complexa (leia quadros ao lado).
Então porque um trabalhador no Brasil produz menos que um nos Estados Unidos, no Chile, Coreia do Sul ou Espanha?
Estamos tomando cafezinho demais, ignorando prazos para entrega de resultados e trocando muita figurinha da Copa do Mundo na hora do trabalho?

Como se calcula produtividade

Há diversas formas de se calcular a produtividade de um país. Para começar é preciso diferenciar a Produtividade do Trabalho (PT) da Produtividade Total dos Fatores (PTF).
A primeira dá a medida da eficiência do trabalho. A segunda, de todos os fatores de produção - o que inclui, além do trabalho, os bens de capital (máquinas e equipamentos). Com isso pode-se diferenciar, em um aumento de produção, o que se deve a ganhos de eficiência e o que ocorre, por exemplo, por causa da compra de uma máquina.
Em geral, a produtividade do trabalho é calculada dividindo-se o PIB pela quantidade de pessoas ocupadas ou o total de horas trabalhadas (o que contabiliza os efeitos das horas extras). Já na PTF divide-se o PIB pelo resultado de uma função matemática que pondera o estoque de capital e a quantidade de trabalho.
A verdade é que as causas do baixo crescimento da produtividade no Brasil ainda são tema de um amplo debate.
A revista britânica Economist, por exemplo, causou polêmica no mês passado ao sugerir que o problema poderia ser atribuído também a fatores culturais.
"Poucas culturas oferecem uma receita melhor para curtir a vida", afirmou a publicação, citando um empresário estrangeiro que teria tido dificuldade para contratar profissionais comprometidos com o trabalho no Brasil.
Para o economista da Unicamp, Célio Hiratuka, a tese é "simplista e talvez até um pouco preconceituosa".
"Em termos de cultura gerencial, o Brasil não é tão diferente de outros países que têm produtividade mais elevada", opina.
De Negri concorda que as causas do problema são muito mais complexas. "A produtividade do trabalho não depende só da capacidade ou empenho do trabalhador", diz.
"Uma empresa que adquire máquinas mais modernas produzirá mais com o mesmo número de funcionários. Outra que precisa alocar muitos empregados para pagar impostos ou resolver questões burocráticas, será menos produtiva."
Para entender o que existe de relativo consenso sobre as causas do baixo crescimento da produtividade no Brasil a BBC entrevistou especialistas de diversas linhas teóricas. O resultado dessa enquete são os quatro fatores, listados abaixo. Confira:

1. Educação

É consenso que trabalhadores mais qualificados têm condições de produzir mais e melhor. E que investir em qualificação ajuda a garantir profissionais para uma produção de maior valor agregado.
Até aí, nenhuma novidade.
A questão é que, nos últimos anos, o Brasil avançou no que diz respeito a escolaridade da população sem que isso se refletisse em seus índices de produtividade.
"Na última década tivemos um aumento de dois anos na média de estudo dos trabalhadores formais, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados)", diz De Negri.
"Trata-se de um aumento importante no estoque de conhecimento - por isso, é uma surpresa que os índices de produtividade não tenham respondido a isso."
Especialistas explicam tal descompasso com duas hipóteses.
A primeira estaria ligada à questão da qualidade da educação no país. O fato de quase 40% dos universitários brasileiros serem analfabetos funcionais (segundo o Instituto Paulo Montenegro) dá a medida do desafio que o Brasil tem pela frente nessa área.
A segunda hipótese se refere à suposta falta de alinhamento entre os conhecimentos que as escolas e universidades transmitem e o que as empresas precisam para produzir mais - problema que os economista definem como "brecha de habilidades".
Nessa linha, são muitos os que apontam a necessidade de mais cursos técnicos no país.
"No Brasil e em outros países da América Latina há um estigma em relação ao ensino técnico que precisa ser quebrado", diz Carmen Pagés, especialista em mercado de trabalho do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID).
"O governo até está se esforçando para expandir as vagas no ensino técnico por meio do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), mas mais uma vez precisamos de uma avaliação séria desse programa para entender se o que é ensinado corresponde ao que as empresas precisam", diz Zylberstajn, que também defende a criação de esquemas de treinamento nas empresas.
 
2.  Tecnologia e inovação  
A produtividade não depende apenas da capacidade e empenho dos trabalhadores, como ressalta De Negri.
"Um trabalhador com um computador potente pode ser mais produtivo que um com computador ruim ou sem computador", exemplifica Marcelo Moura, professor do Insper.
Um país pode adquirir tecnologia ou produzir tecnologia - e no caso do Brasil parecem haver dificuldades nas duas frentes.
"Para começar, muitas vezes é caro importar máquinas e equipamentos em função de proteções a indústria nacional", diz Moura.
Além disso, o país também parece estar na lanterna do grupo dos emergentes quando o tema é a produção de inovações.
Segundo um estudo do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello, especializado em propriedade intelectual, o Brasil fez 215 pedidos de registro ao escritório americano de patentes (USPTO) em 2011, contra 3.174 da China, 1.234 da Índia e 298 da Rússia.
"Em todos os países asiáticos o estímulo à inovação e adoção de novas tecnologias foi um dos pilares dos avanços em índices de produtividade,", diz Hiratuka, da Unicamp, mencionando o caso da Coreia do Sul, que já está investindo na instalação da internet 5G.
"Já no Brasil, os níveis de investimento nessa área são relativamente baixos e ainda falta uma certa coordenação das políticas públicas de estímulo à inovação - como as linhas de financiamento do BNDES - para que elas produzam os resultados desejados."

3. Burocracia e infraestrutura
A complexa burocracia brasileira e as deficiências de infraestrutura também têm um efeito importante sobre a produtividade das empresas.
"É só notarmos a quantidade de pessoas que as empresas precisam empregar para conseguir pagar (processar) seus impostos – chegam a centenas de funcionários em grandes companhias como a Petrobrás", afirma De Negri.
"São pessoas que não trabalham na atividade-fim da empresa e, portanto, não ajudam a aumentar a produção."
O excesso de burocracia também favorece a manutenção das taxas altas de informalidade da economia - que pressionam o PIB e os índices de produtividade do país no geral.
No caso da infraestrutura, um exemplo extremo de como a produtividade pode ser afetada é o risco de falta de energia: se há um apagão, não adianta os trabalhadores estarem a postos, bem treinados e munidos de máquinas novas, de tecnologia de ponta.
No dia a dia das empresas, dificuldades no escoamento da produção, transporte de insumos e deslocamento dos trabalhadores também acabam consumindo recursos que poderiam ser investidos em atividades que trouxessem incrementos de produtividade.

4. Competição externa
O Brasil protege demais suas empresas?
Tradicionalmente, um economista liberal atacaria tais proteções enquanto um desenvolvimentista defenderia que o governo deve proteger a indústria nacional durante um tempo até que ela tenha musculatura para aguentar a competição externa.
Cada vez mais, porém, economistas brasileiros dos dois grupos questionam proteções dadas a alguns setores sob a forma de subsídios e barreiras tarifárias - relacionando tais proteções ao problema de baixa produtividade no país.
"A falta de competição faz com que as empresas se acomodem. É mais fácil ir para Brasília pedir incentivo do que fazer mudanças para ganhar competitividade e produtividade", opina Marcelo Moura, do Insper.
"Temos uma indústria automobilística que diz precisar de ajuda há 50 anos - alguma hora isso tem de acabar."
"Um pouco mais de abertura de fato poderia funcionar como um incentivo para as empresas correrem atrás de um aumento de produtividade", concorda De Negri, do IPEA.
"Mas não basta abrir para os produtos importados, é preciso também estimular as companhias brasileiras a exportarem e investir no exterior - porque ao fazer isso elas tomam contato com novos mercados consumidores e novas técnicas de produção, o que facilita os ganhos de competitividade."
Para Célio Hiratuka, da Unicamp, as proteções à indústria nacional podem ajudar a desenvolver determinados setores, "mas não devem ser incondicionais".
"Precisamos de mais pensamento estratégico e uma política que funcione na base do incentivo e do chicote – ou seja, que não só proteja as empresas, mas também lhes cobre o avanço em determinadas metas (produtividade, inovação, exportação)."

Obtido de: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/05/140519_produtividade_porque_ru.shtml

ver também: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/04/140416_economist_produtividade_pai_mm.shtml